quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Últimas histórias da Guiné


Ontem foi um bom dia :)
De manhã, estive a preparar uma sessão de educação para a saúde sobre cólera, com o Wagner, um enfermeiro brasileiro que chegou cá há pouco tempo. Tenho pena que nos tenhamos desencontrado um bocado, porque ele chegou já na minha segunda semana, e parece uma pessoa impecável.


À tarde fui com a missão do "Mundo a Sorrir" para uma missão evangélica onde eles estavam a fazer tratamento dentário. Cheguei lá e basicamente disse que queria trabalhar :) Foi muito giro, são estes momentos que me fazem acreditar que fiz bem em vir, e que justificam todas as coisas menos fáceis que uma aventura destas implica. Durante a tarde vi para cima de 50 meninos, e os recursos da farmácia da missão eram bastante limitados, mas entre antibióticos e analgésicos que tinham sido deixados cá por outras equipas de voluntários, o essencial havia. Cheguei a casa tão cansada e tão feliz, só neste tipo de trabalho é que me sinto verdadeiramente útil - e as pessoas agradecem tanto, é tão gratificante que é impossível não querer repetir a experiência.




Hoje de manhã fui com o Wagner a Prábis, uma tabanca aqui perto, fazer formação à população sobre cólera (coisas básicas como prevenção da transmissão, reconhecimento dos sintomas, cuidados de saneamento, etc). As pessoas que foram à formação eram bastante interessadas e fizeram muitas perguntas mas, quando lhes dizemos que eles têm um papel importante porque têm que transmitir aos outros, respondem que é muito complicado - aqui acreditar em vírus e bactérias é mesmo uma questão de fé, e é muito mais comum crer que a cólera foi um feitiço que só o imã pode curar do que perceber que na água límpida há vibrio cholerae.


Faltam poucas horas para deixar Bissau.
Tenho saudades da minha casa e do meu conforto, das minhas pessoas e da minha vida, mas ainda assim fica a sensação que há tanto por fazer - e pior ainda, que é tão complicado fazê-lo. Do conforto do meu canto e do meu país, era impossível não ter a atitude - que agora reconheço como um bocadinho arrogante - de que é fácil mudar o mundo, esquecendo tanta gente que o tentou e tenta, deparando-se diariamente com um ciclo vicioso que não pode ser movido apenas pela boa-fé. Sem dúvida que me apaixonei por este calor primeiro das gentes, que são encantadoras, pela terra vermelha, mas levo comigo também um certo desencanto, ou realismo, pela crueza impossível destas vidas.
Saio daqui com a sensação que o trabalho de voluntário pode ser uma coisa muito bonita, muito gratificante, mas que é também uma prova de força à nossa estabilidade emocional, um grande abanão maior do que qualquer outra vivência que tenha tido, uma maneira de nos pôr a olhar pelos olhos de pessoas completamente diferentes de nós.
Saio também com a sensação que vou dar um valor completamente diferente a tantas coisas que tomei como adquiridas no meu país - a liberdade, a organização política, a paz, que com as suas imperfeições todas parecem-me a esta luz quase perfeitas.

Mas acima de tudo, saio com a certeza de que não esquecerei nunca esta África com que sonhei durante tantos anos, desenhada nas palavras do meu avô, e que agora sinto também um pouco minha.


1 comentário:

Maria disse...

Ca te esperamos :)